"Como você tem
sorte!" observou Vishnu, examinando afetuosamente o Sábio
Narada. Naquele momento, ele acabava de retornar ao céu, depois de uma de suas
peregrinações ocasionais à Terra.
"Não há dúvida que tenho
sorte, meu Senhor, pois nunca parei de cantar seu nome!"
"Você tem sorte porque
visita a Terra frequentemente e muitas vezes entra em contato com meus
verdadeiros devotos - aquelas almas abençoadas", explicou
Vishnu.
Narada refletiu por um momento sobre a observação. Entrar em
contato com devotos, os bons e os abençoados, era isso uma grande dádiva?
Incapaz de refreiar sua dúvida por muito tempo, perguntou a
Vishnu:
"Ó Senhor, tenho a
certeza de que, realmente, entrar em contato com verdadeiros devotos é algo que
proporciona uma grande alegria. Aguardo ansiosamente por essas experiências.
Mesmo asim, sua observação me intriga. Pode isso ser tão importante ao ponto de
alguém considerar-se felizardo por essa razão?"
O Senhor sorriu:
"Narada, você gostaria
de testar a veracidade de minha observação?" Narada ficou um
pouco confuso com a sugestão, pois não havia dúvida de que nem um pingo de
incerteza podia existir no que Vishnu havia dito. Ao mesmo tempo, irresistível
era sua curiosidade; aqui estava, talvez, uma outra oportunidade para
testemunhar um ato do mistério de Deus em ação!
"Sugiro, ó Narada",
disse Vishnu, "que você se encaminhe para a floresta de
Dandakaranya. Na parte oeste da floresta verde, encontra-se uma velha árvore
Bania. Num ninho, em um de seus buracos, encontra-se um passarinho novo. De
fato, ele saiu da casca há apenas uma hora. O pequenino pássaro deve ser capaz
de lhe dizer o que você quer saber."
Que ele pudesse
esperar algum esclarecimento de um passarinho, surpreendeu Narada. Porém,
imediatamente partiu para Dandakaranya. Sua surpresa logo foi substituída por
uma sensação de curiosidade. Não descansou até achar a árvore Bania. Realmente,
em um de seus buracos havia um ninho, no qual um passarinho novo estava começando
a bater suas pequeninas asas. Mas ainda não tinha visto a luz do Sol ou a
brisa.
Narada tocou o
pássaro afetuosamente. O pássaro olhou-o fixamente. Porém, antes que Narada
tivesse tido tempo de fazer-lhe sua pergunta, ele caiu morto!
Narada ficou chocado
com esse acontecimento inesperado. Enterrou o pássaro ao pé da árvore e
retornou ao céu.
"Por que está tão sério, meu nobre
devoto? Parece que você ainda não recebeu a resposta à sua pergunta!"
observou Vishnu, quando Narada voltou à sua presença.
"Ó Senhor, você sabe tudo! Estou de volta
mais atônico do que nunca", disse Narada.
"Nas redondezas da cidade de Ayodhya, às
margens do rio Saryu, vive um pobre jardineiro. Sua vaca acaba de ter um
bezerrinho. Vá e faça a pergunta ao bezerro", foi a ordem de
Vishnu desta vez.
Narada partiu para
Ayodhya imediatamente. Não demorou achar-se em frente à cabana do jardineiro.
"É verdade que sua vaca deu à luz um
bezerro?" perguntou ao jardineiro.
Encantado de ver o
santo homem, o jardineiro recebeu-o calorosamente e levou-o ao terreiro atrás
da casa.
"Ó sábio, por favor, abençoe meu
bezerrinho!" pediu o jardineiro.
Narada bateu
afetuosamente no lombo do bezerrinho. Ele fixou os olhos no rosto de Narada e
caiu estatelado no chão. Narada retraiu-se com medo de que o destino que se
abatera sobre o pássaro tivesse agora alcançado o bezerrinho também! Sua
suspeita confirmou a verdade. O jardineiro examinou o bezerro com grande
ansiedade e descobriu que ele estava morto. Olhou para o sábio com olhos
espantados.
Bem atordoado, Narada
retirou-se apressadamente.
"Ó Senhor, não esperava que você me
causasse tanto transtorno, quando tudo que queria era saber o benefício de
nossa associação com almas grandes e boas", disse Narada a
Vishnu, sua voz traindo seus sentimentos magoados.
"Tenha paciência, meu
prudente sábio, está longe de mim causar-lhe qualquer embaraço. Na verdade, não
estou fazendo outra coisa a não ser ajudá-lo a encontrar a resposta à sua
pergunta." disse Vishnu com um sorriso de compaixão. Então acrescentou:
"Um príncipe nasceu, filho do Rei da
dinastia Chola. Estou certo de que se você encontrar o pequeno príncipe, ficará
plenamente satisfeito."
Narada não estava
certo se iria seguir a mesma espécie de ordem outra vez. Porém Vishnu disse:
"Não tenho dúvida de que fará como disse,
pois você nunca procedeu de outra maneira!"
Na verdade, fosse o
resultado encantador ou humilhante, um verdadeiro devoto do Senhor nunca
hesitaria em agir de acordo com a vontade do Senhor. Narada estava outra vez no
seu espírito alegre. Não muito depois, ele foi visto entrando no palácio dos
Cholas.
Aconteceu que o rei o
conhecia. Ele e sua corte deram as boas vindas ao sábio, com impressionantes
demonstrações de reverência.
"Ó sábio, visitas suas são bênçãos
enviadas por Deus para mim. Hoje fui abençoado com um filho. Sua vinda torna o
dia auspicioso. Por favor, abençoe o príncipe infante", disse
o rei.
Narada sentiu um
estremecimento no coração.
"Espero e oro para que o príncipe não siga
o caminho do pássaro e do bezerro", disse para si mesmo.
Porém, sua confiança no Senhor ajudou-o a vencer seus temores.
"Ficaria feliz de abençoar o príncipe, mas
gostaria de ficar sozinho com ele por um momento", disse
Narada.
"Como quiser, ó grande sábio",
disse o rei.
A rainha e suas
servas retiraram-se do quarto onde o belo príncipe estava deitado. O príncipe
virou-se para olhar o sábio. Um doce sorriso brincava em seus lábios.
"Acredito que você possa satisfazer uma
pergunta minha. Qual é o benefício de nossa associação com almas grandes e
boas?" perguntou Narada à criança.
"Ótimo! Eu sou o exemplo vivo deste
benefício", respondeu o príncipe.
"Não compreendo!"
confessou Narada.
"Nascido como um pássaro, por um momento
entrei em contato com você, ó grande e boa alma! Meu espírito sofreu um impulso
para cima e nasci como um bezerro. Aconteceu que entrei de novo em abençoado
contato com você, ó grande e boa alma! Meu espírito obteve uma elevação.
Abandonei minha forma bovina e aqui estou eu - reencarnado num ser humano, um
príncipe! Eu me inclino diante de Ti, ó grande Narada!"
explicou o príncipe, irradiando alegria.
Narada ficou emocionado. Abençoou o príncipe e partiu,
cantando a glória do Senhor.