Quando pequena imaginava
terras infinitas, terras de pedra onde cachorros e crianças corriam sem
destino; onde rochas se transformavam em cavernas, santuários,
girafas, cordeirinhos, anéis e livros. Pedras que serviam como
o diário do homem-pedreiro e neste diário ele escrevia as leis da natureza
(Dharma), não nossos direitos, mas nossos deveres para mantermos a harmonia.
Eram frases que eu procurava seguir a risca e acreditava que todos faziam o
mesmo.
Até que uma
amiguinha da escola não cumpriu uma das frases: Não levantar falso testemunho.
Ela disse para as outras crianças que me viu falando palavrões para a
inspetora. Esta era amiga da minha família levava-me para casa todos os dias.
Como os outros não viam que eu a amava e jamais faria mal a ela? Fui parar na
diretoria e a única coisa que conseguia falar era:- não é verdade. Fiquei três
dias de suspenção e quando voltei ninguém brincava comigo, via as meninas
jogando amarelinha e a tal menina mandando no jogo e ganhando todas as rodadas,
eu não fiquei com raiva porque ela mentiu, fiquei com raiva porque ela manipulou
as outras crianças e ai eu desisti desses jogos em que um só ganha, e
contrariando as saias que usava me adentrei aos jogos de futebol com os meninos
e quando saia um gol todos se abraçavam porque havíamos trabalhado em conjunto,
todos seguiam as mesmas regras, as mesmas leis, com o tempo as meninas deixaram
a amarelinha de lado e começaram a
sentir os braços após os jogos e eu entendi porque o homem-pedreiro tinha
escrito os mandamentos e também porque eu era a pedra da amarelinha. É na pedra
que se aprende a essência da vida: não está na forma, mas na alma de
tudo aquilo que exala existência. A origem da pedra é seu próprio
paradoxo: de tão concreta cristaliza-se em sagrada, imbatível e
eterna. Só a mão do vento a vence. As pedras são o desenho das
mãos de Deus que indicam o caminho da paz e da justiça e, como
artesãs, esculpem os homens à sua forma; construindo seus corações e
almas duras com a mesma inabalável firmeza de seres que não se
entregam a mentira. As pedras ensinam que a justiça pode ser virtude e não
utopia. As coisas escritas nas pedras pelo homem-pedreiro chamado Manu nos ensinam
que a igualdade entre os seres é natural e há um grande desejo em
respeitar as regras, as leis da natureza, em seguir o Dharma e esse desejo só
nasce com o Conhecimento. Isto aconteceu quando eu era criança e por isto
escrevi com o olhar de criança para que a mesma tenha esse acolhimento e para
que eu nunca me esqueça do que há de mais forte em mim: a ânsia pela justiça e
pela liberdade.
Nenhum comentário:
Postar um comentário